Textos desconexos, indicações literárias, opiniões pessoais, muitas palavras em um visual simples e propositalmente minimalista.

  • Velhos debates (1) | A fantasia não torna as pessoas horríveis

    Fuga da realidade, este talvez seja o mote aqui? Ainda não sei. Este texto está sendo escrito sem muito planejamento prévio, enquanto ainda pondero sobre muitas coisas que certamente ainda não cheguei a uma conclusão. Mas o ponto é que novamente levantaram ao meu redor um velho debate: “videogames e outros meios de entretenimento eletrônicos estão estragando as crianças de hoje em dia“. E novamente só consigo pensar que sempre são as mesmas pessoas que sempre levantam essa bola torta: as que não realmente entendem os videogames e seu universo.

    E como isso me incomoda. Muito mesmo. Talvez por amar videogames? Talvez seja justamente essa fuga da realidade, como o mundo da fantasia quase sempre tão mais legal do que a realidade tediosa e estrutural a qual as pessoas vivem? E sou pai, então tem a questão de ponderar se estou errado, e se estiver, estaria prejudicando meu filho ao não me incomodar com o quanto ele também gosta de videogames? Aí vem aquelas angústias, a ansiedade, a complexidade sobre o assunto e o fato de não saber nada além da minha própria experiência pessoal e quem me tornou até este ponto da minha vida.

    Mesmo assim ainda sou da opinião que o meio (real ou digital) criam os problemas e não as nossas válvulas de escape. Claro que também não sou cego ao dizer que não existem problemas nas Redes Sociais, na Internet e até mesmo na forma como muitas crianças e jovens consomem videogames. Pessoas são influenciáveis, menores de idade são mais ainda. Eu sei. Eu sei.

    Existe um risco em um mundo conectado, e entendo que existem facilitadores que conectam pessoas com outras pessoas pela internet. Videogames podem fazer isso, ainda que não representem isso como uma totalidade. Mas celulares e redes sociais tem um potencial prejudicial ainda maior para juntar gente ruim com pessoas boas. E a internet mudou nestas últimas décadas, e como. Há muito mais discurso de ódio espalhado por aí, e é cada vez mais difícil unir tribos com boas vibes. Gente decente.

    E aí cabe o papel dos pais, de sempre ficarem atento as pessoas que estão não só na vida presencial dos filhos, mas também àquelas na vida online. E como essa tarefa é difícil, especialmente pela demanda exigida. Novas pessoas não entram em nossas vidas reais todos os dias, afinal somos programados para viver uma rotina. Sempre os mesmos rostos, os mesmos locais, as mesmas pessoas. Mas no mundo online, que, verdade seja dita, pode ser tão real quanto a realidade, pessoas novas aparecem a todo o momento, vindo do nada. E aí se torna mais complicado esse monitoramento, esse discernimento de valores e caracteres. De novo, é complicado.

    Então alguém joga aquela máxima: “crianças precisam da vida real, de conexões reais”. E eu estaria totalmente de acordo se não houve uma vírgula depois dizendo “tirem ela do mundo digital, tirem o videogame dela“. Como se uma coisa automaticamente anulasse a outra. Não tem equilíbrio. É só o exagero pelo exagero.

    Será que antes dos videogames as pessoas diziam: “tirem as crianças da televisão?” Bem, certamente diziam, não tenho dúvida alguma. E antes disso? “Tirem as crianças do rádio?” Talvez não, né. Será que quando só existiam livros para a fuga da realidade, para o mundo da fantasia alguém diria “tiram as crianças destes livros de ficção?“. Bem, certamente livros foram caçados no passado, sabemos disso. Queimaram um monte! Mas não porque as crianças estavam lendo, assim espero. A humanidade sempre queimou bruxas, sempre temeu o que nunca entendeu.

    O ponto é que parece que sempre queremos culpar atos e pessoas por elas gostarem do mundo da fantasia, menos do que a realidade em si. Videogames são ótimos bode expiatórios para isso, apesar de que tem crescido muito o direcionamento para a internet e redes sociais. A realidade digital. Tão tentadora para nos fazer esquecer dos problemas reais. E não gosto de bodes expiatórios.

    Existe um debate que a humanidade ainda não conseguiu concluir: por que existe tanta tristeza, tanto ódio, tanta raiva no atual mundo moderno? E por que isso afeta tanto os jovens? Será que estamos criando pessoas vazias, desconexas de tudo, sem empatia? E se estamos, é culpa do mundo digital, das realidades virtuais, delas serem tão tentadoras em relação a chatice do mundo real? E mesmo que fosse isso, será que nos tirar disso seria a solução? Por que a realidade simplesmente não pode ser mais legal, mais interessante? A vida precisa ter mais cores, mais camadas.

    Sinceramente, nunca vou achar que a fantasia é responsável por tornar as pessoas ruins. Sempre achei que a ignorância do ser humano e, por ignorância, estou falando sobre a falta de cultura, educação, de ferramentas para fazê-lo pensar por conta própria, ter conteúdo emocional e cultura é que deveria ser responsável por aquilo que o mundo está se tornando. Quer dizer, se as pessoas são ocas e vazias, o que se pode esperar delas? E a grande massa, o grande gado, para usar um termo que se tornou popular nos últimos anos, está aqui, na nossa sociedade, ruminando coisas horrendas, imbecis e absurdas. Como mudo isso? Ou melhor, como faço para que meu filho não se torne apenas mais um nessa multidão sem conteúdo? Certamente não é mandando viver a vida real e cortando seus meios de fantasiar.

    Mas não existe uma fórmula matemática e exata para resolver esse dilema. Sim, eu entrego meios e ferramentas para torná-lo uma pessoa melhor, para ele entender a empatia, para possuir uma carga cultural que o permita pensar melhor e não se tornar facilmente influenciável. Eu lhe apresento todo esse material e meios, mas se ela irá usar, se irá aceitar, é dois passos além do que eu posso ver e entender. Porque pessoas são seres individuais, e cada ser humano é diferente do outro. Eu sou apenas um tentando influenciar positivamente, enquanto sei que haverá outros trinta influenciando negativamente, porque, de novo, nem toda criança próximo a ele terá esse mesmo conteúdo, essa mesma carga, vindo de fatores positivos. Não é fácil, e nunca achei que seria. Mas é exaustivo, isso certamente é…

    Este assunto não vai se encerrar por aqui…
    mas por enquanto preciso parar e ponderar um pouco mais.

  • Crônica (1) | Estragou a televisão – Verissimo Antológico

    Leio as crônicas de Luis Fernando Verissimo há pelo menos menos duas décadas. Lembro de ter descoberto o autor quando o livro As Mentiras que os Homens Contam se destacou por meses entre os livros mais vendidos do Brasil, lá no longínquo ano de 2000, data de seu lançamento original (uma nova versão o relançou em 2015). Curiosamente não me recordo mais onde diabos acompanhava o ranking de livros mais vendidos no Brasil… será que ainda divulgam isso?

    Desde então tenho colecionado seus livros. Não tenho todos, mas um dia chego lá. Recentemente descobri que em 2020, naquele caos do ano 1 da pandemia do coronavírus, a Editora Objetiva (pertencente ao grupo Companhia das Letras) lançou uma chaproca de mais de 700 páginas, reunindo cinco décadas de crônicas do autor. Não poderia deixar de adquirir. E é desta Antologia, que abro essa sessão no Desligado, a qual pontualmente irá apresentar algumas crônicas deste querido autor.

    O objetivo aqui não é transcrever livros inteiros, longe disso. A ideia é apresentar o material, aguçar a curiosidade de quem quer que esteja aqui neste singelo espaço procurando algo para ler. O brasileiro é péssimo na leitura, mas tenho pra mim, uma opinião pessoal, de que isso acontece por lá atrás, quando crianças, não somos devidamente apresentado ao hábito de ler coisas divertidas, que nos mostrem que ler é uma maravilha. O objetivo aqui é esse, te mostrar que ler é gostoso, basta procurar o material que lhe agrade.

    A crônica abaixo foi a primeira que li na Antologia, a qual abri a esmo e fiquei passando os olhos até encontrar uma que desconhecesse e me chamasse a atenção. O texto está na sessão de crônicas publicadas em 1990, e por isso tem ler com esse olhar no passado, em tempos sem internet e telinhas menores, os nossos celulares. Até porque é sobre uma sociedade alienada e desatenda, e não sobre a televisão em si. Dito isso, a brincadeira é atemporal e a tirada ainda funciona, sem dúvida alguma.

    Se gostar, saiba que pode encontrar mais crônicas numa antiga sessão lá no Portallos.

    Estragou a televisão

     

    — Iiiih…
    —  E agora?
    — Vamos ter que conversar.
    — Vamos ter que o quê?
    — Conversar. É quando um fala com o outro.
    — Fala o quê?
    — Qualquer coisa. Bobagem.
    — Perder tempo com bobagem?
    — E a televisão o que é?
    — Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Um falar com o outro, assim, ao vivo… Sei não…
    — Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
    — Então começa você.
    — Gostei do seu cabelo assim.
    — Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha…
    — Geraldo.
    — Hein?
    — Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.
    — Desde quando?
    — Desde o batismo.
    — Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo.
    — Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.
    — Geraldo Maria Ester?
    — Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.
    — Não é não.
    — Como, não é não?
    — Meu nome é Valdusa.
    — Você enlouqueceu, Maria Ester?
    — Por amor de Deus, Eduardo…
    — Geraldo.
    — Por amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, você não se lembra?
    — Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca… Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do… Um de bigode.
    — Eduardo.
    — Eduardo!
    — Exatamente. Eduardo. Você.
    — Meu nome é Geraldo, Maria Ester.
    — Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?
    — Eu nunca usei bigode!
    — Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.
    — Calma. Vamos com calma.
    — Se isso for alguma brincadeira sua…
    — Um de nós está maluco. Isso é certo.
    — Vamos recapitular. Quando foi que nós casamos?
    — Foi no dia, no dia…
    — Arrá! Está aí. Você sempre esqueceu o dia do nosso casamento. Prova de que você é o Eduardo e a maluca não sou eu.
    — E o bigode? Como é que você explica o bigode?
    — Fácil. Você raspou.
    — Eu nunca tive bigode, Maria Ester!
    — Valdusa!
    — Está bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seu nome seja mesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?
    — Deixa eu pensar, Maria Ester… Nós não tivemos uma vizinha chamada Maria Ester?
    — A única vizinha de que eu me lembro é a tal da Valdusa.
    —  Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E nome do marido dela era… Jesus!
    — O marido se chamava Jesus?
    — Não. O marido se chamava Geraldo.
    — Geraldo…
    — É.
    — Era eu. Ainda sou eu.
    — Parece…
    — Como foi que isso aconteceu?
    — As casas geminadas, lembra?
    — A rotina de todos os dias…
    — Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham…
    — Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota…
    — Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?
    — Nós nunca no mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.
    — Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.
    — É mesmo…
    — Será que eles já se deram conta?
    — Só se a televisão deles também quebrou.

    ***

    Crônica encontrada nos seguintes livros:

    Sinopse oficial – Esta antologia reúne cinco décadas da produção de Luis Fernando Verissimo como cronista, incluindo textos inéditos em livro, outros que estão há muitos anos fora de circulação e também aqueles que se tornaram clássicos. Em comum entre eles, a inteligência e o humor de Verissimo, e sua reconhecida capacidade de traduzir em poucas linhas a complexa natureza humana.

    Para mais livros de Luis Fernando Verissimo, visite este endereço no site da Editora Companhia das Letras.

  • GloboNews | Menos sangue no meu café da manhã, faz o favor…

    Desde 2020, por conta da pandemia, criei o hábito de assistir o jornal pela manhã, enquanto me preparo para começar o dia, mais especificamente a GloboNews em Ponto, que ocorre na faixa das 6h as 9h da manhã. Recentemente o jornal sofreu algumas mudanças, sendo a principal sua apresentação, saindo a talentosíssima Julia Duailibi, especialista em política, para a entrada de Cecilia Flesch, a qual ainda não sei como qualificá-la aqui. Internamente também não sei se houve troca da equipe de produção do telejornal, mas a julgar como o mesmo tem sido conduzido nas últimas semanas, penso que talvez tenha ocorrido.

    Veja bem, minha maior preocupação tem sido com o horário da faixa das 6h da manhã, ainda que haja um reflexo disso em toda a atual GloboNews, mas antes de olhar o escopo macro, permita-me focar no micro. O que acontece as 6h da manhã de todo brasileiro? Estamos levantando para mais um dia neste país de muitas crises, em um mundo cheio de problemáticas. Tem gente se preparando para ir trabalhar, assim como também tem um monte de criança acordando para se preparar para ir à escola. Estamos todos começando o dia.

    De umas semanas pra cá, ligo o jornal nessa faixa de horário e só tem notícia de assassinato. Marido que mata ex-esposa e feminicídios em geral, troca de tiros e mortes entre polícia e criminosos, com direito a bala perdida em civis, crianças sendo assassinada por pais, gente sendo mantida em cativeiro, denúncias de crimes sexuais à rodo, inclusive em hospitais e daí para o pior. Sim GloboNews, já entendi que o Brasil está violento, que a saúde mental das pessoas está fragilizado. Mas será que eu preciso disso às 6h da manhã?

    Antes do jornal sofrer essa mudança na troca de apresentadores, a faixa das 6h da manhã era ligeiramente mais leve. Havia a previsão do tempo e pautas políticas, o que o congresso estaria se movimentando para o dia. Nas sextas-feiras havia um quadro verde, para falar de plantas – a qual há meses não vejo acontecer. Não eram necessariamente pautas positivas, mas era uma faixa que nos atualizava sobre a pandemia, sobre clima, sobre movimentações políticas, notícias internacionais, sobre coisas para ficar atento ao longo do dia. E agora, eu ligo a mesma faixa e tudo que tenho é sangue sendo derramado no meu café da manhã. Não preciso disso pra começar o dia.

    E palpável a mudança da apresentação do telejornal. A faixa das 7h, normalmente era um horário que muitas vezes a Julia Duailibi tirava de 15 a 20 minutos lendo os principais jornais do dia. O que eu achava o máximo. Nos lembrar que ainda existe jornal impresso e mostrar como o conteúdo dos mesmos ainda é relevante, enquanto também serve para resumir as principais notícias de ontem, caso a gente tenha perdido alguma coisa. A mesma leitura dos jornais, feita pela Cecilia Flesch é, com o perdão da palavra, horrível. É uma leitura absurdamente rápida, sem qualquer interesse da apresentadora, feita em menos de 5 minutos. Parece forçado, algo que não conseguiram tirar do programa, mas que eventualmente vão tirar. É um desastre.

    Não sei o que aconteceu, só sei que não dá mais. Vou procurar outra coisa para assistir ao iniciar meu dia. Olhar outros canais de notícia, outros telejornais. GloboNews em Ponto não dá mais. Estamos em véspera de eleições, adoraria começar o dia sabendo a movimentação dos principais candidatos. Quero saber o que está acontecendo em Brasília, que leis estão em discussão. Quero um jornal que me informe sobre as engrenagens do país e não sobre as pessoas estarem matando umas as outras. Não preciso que o jornal me mostre isso antes de sequer ter escovado os dentes. Começar o dia nessa vibe é péssimo. Nem mesmo a reflexão sobre a nossa saúde mental o jornal de propõe a discutir… porque dar ao brasileiro um jornal “Cidade Alerta” às 6h da manhã!? Aí não!

    Isso porque nem falei muito sobre as crianças sendo acordadas com um telejornal assim. Hoje mesmo tive que desligar o jornal em certo momento em que meu filho estava acompanhando as notícias sanguinárias enquanto fazia seu lanche para a escola. Se eu não preciso disso pra começar o dia, ele muito menos. Fui colocar um Roda Vida no YouTube com qualquer outro tipo de discussão mais inteligente. O fato é que se a gente coloca um desenho animado ou série acabamos nos distraindo assistindo, e aí perdemos a hora de sair de casa. Alguma coisa para começar o dia, como uma entrevista ou jornal (menos sanguinário) funciona para nos manter dentro de nossos horários.

    Não dá mais. A partir de amanhã vou começar a procurar outros jornais para começar o dia. Um que não jogue corpos e crimes hediondo na minha mesa de café da manhã. Meu filho e minha saúde mental agradece.

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